Ações terapêuticas.
Anticonvulsivante. Antiepiléptico.
Propriedades.
O ácido valproico é um ácido graxo que
é empregado como antiepiléptico maior nas formas clínicas, pequeno mal, crises
de ausência e como adjuvante nas crises epileptogênicas mistas. Existem
diversos sais deste agente inibidor do GABA (ácido -aminobutírico) e, entre
eles, utilizam-se o sal sódico, magnésio, divalproato a forma ácida etc. A
forma magnésica do ácido valproico (valproato de magnésio) demonstrou ser mais
eficaz e a melhor tolerada, com menor incidência de efeitos secundários. Do
ponto de vista químico, o valproato de magnésio é totalmente diferente dos
demais fármacos anticonvulsivantes conhecidos, pois não contém radicais ligados
(responsáveis pelo efeito depressor do SNC) e, do ponto de vista farmacológico,
possui outras propriedades (efeito antianóxico periférico, que se contrapõe à
inativação do metabolismo muscular e à apneia gerada pelo episódio convulsivo;
efeito ansiolítico decorrente de sua ação GABAérgica; finalmente, efeito
potencializador dos antiepilépticos clássicos como o fenobarbital, a
carbamazepina e a difenil-hidantoína).Sabe-se que a epilepsia é devida a
descargas neuronais supranormais, nas quais há uma importante diminuição do
GABA, que é um importante neuroinibidor do SNC. Independentemente da etiologia
da epilepsia, os níveis da GABA encontram-se diminuídos. Existem dados
comprovados e alguns outros ainda em estudo a respeito do mecanismo de ação do
valproato de magnésio. O valproato de magnésio é considerado como um agente
antiepiléptico maior, visto possuir um efeito anticonvulsivante amplo,
abarcando as crises parciais ou generalizadas. Alguns autores demonstraram que
o ácido valproico inibe diretamente a descarga neuronal e em determinadas
circunstâncias potencializa as ações inibitórias do GABA sobre a descarga
neuronal. A teoria mais largamente aceita é a de que o ácido valproico reforça
o efeito inibitório do GABA por meio de um aumento da síntese ou de uma
diminuição da degradação metabólica deste neurotransmissor. As maiores
evidências falam em favor do aumento dos níveis do GABA no encéfalo, em
consequência da ação inibidora do valproato sobre a enzima GABA-transaminase.Considera-se
também que o valproato possa atuar sobre o neurônio de modo direto e, ao mesmo
tempo, aumente a quantidade de GABA cerebral. Encontrou-se também que o
valproato atua nos receptores pós-sinápticos potencializando nestes sítios a
ação inibitória do GABA. O valproato de magnésio provoca diminuição dos níveis
de aspartato cerebral com aumento de GABA protegendo o paciente contra crises
audiogênicas. Não está bem estabelecido o mecanismo pelo qual o ácido valproico
atua como preventivo na enxaqueca. Pelo fato de ser GABAérgico e ter ação sobre
os receptores de GABA, incluindo aqueles da rafe dorsal, este fármaco provoca
dimuição da descarga de neurônios serotoninérgicos e previne a vasodilatação
que é observada nas crises de enxaqueca. Estes efeitos antienxaquecosos também
podem estar relacionados com a redução da hiperexcitabilidade ocasionada pelo
glutamato.Estudos recentes têm demonstrado que, em pacientes com enxaqueca,
existe diminuição de magnésio no plasma, na saliva e nos eritrócitos; esta
diminuição desempenha papel importante nos mecanismos fisiopatológicos das
crises enxaquecosas (vasoconstrição), depressão da onda de propagação cortical,
dimuição da neurotransmissão central e hiperagregação plaquetária. O sal
magnésio do ácido valproico é rapidamente absorvido após sua administração,
sendo as formas farmacêuticas de comprimidos e drágeas com revestimento
entérico as melhores toleradas e com menor incidência de efeitos digestivos
secundários. A absorção digestiva do fármaco leva de 30 a 60 minutos com os
comprimidos ou a solução, ao passo que é muito mais lenta (2 a 8 horas) para as
drágeas com revestimento entérico. A biodisponibilidade é quase total e sua
biotransformação metabólica é quase completa, previamente à sua eliminação
(apenas 1% a 3% da dose administrada aparece na forma inalterada na urina). A
concentração sérica máxima é alcançada em 1 a 2 horas para os comprimidos e em
3 a 12 horas para as drágeas entéricas.Observaram-se algumas variações
circadianas nos níveis sanguíneos do valproato, as quais podem ser explicadas
pela existência de uma circulação enteroepática do medicamento. A distribuição
do valproato está limitada primariamente ao líquido extracelular e à
circulação. A passagem para os tecidos é muito limitada. O volume aparente de
distribuição do valproato está entre 0,1 e 0,4 l/kg. O líquido
cefalorraquidiano no homem apresenta níveis de valproato semelhantes aos níveis
sanguíneos, enquanto os níveis no tecido cerebral variam entre 6,8 e 27,9% dos
níveis plasmáticos. A meia-vida do valproato está entre 8 e 15 horas, embora
haja estudos nos quais a meia-vida encontrada situou-se entre 15 e 17 horas. A
meia-vida pode variar com a idade e sobretudo está reduzida em pacientes que
estejam sob tratamento com mais de um fármaco. O valproato exibe queda da
concentração sanguínea de uma maneira biexponencial, indicando um modelo de
dois compartimentos farmacocinéticos. A meia-vida terminal parece ser de 15 a
17 horas, sendo independente da dose administrada.Não obstante, a farmacocinética
da primeira fase de eliminação é dose-dependente. A meia-vida desta fase é mais
curta para doses altas do que para doses baixas de valproato. Verificou-se que
o valproato liga-se em cerca de 90% às proteínas plasmáticas, principalmente à
albumina. A fração munida à - e -globulinas é pequena. O valproato liga-se a
dois sítios de saturação em proteínas, um de alta afinidade e outro de
afinidade baixa. A união de valproato às proteínas se traduz como uma retenção
do medicamento por mais tempo e por sua inativação temporária. Somente o
valproato livre tem atividade farmacológica, visto que apenas a forma livre
pode difundir-se para o cérebro. Certos fatores podem influir na porcentagem de
desunião do medicamento, tais como presença e níveis reduzidos de albumina no
sangue, o que ocorre, por exemplo, nos recém-nascidos com insuficiência
hepática. É recomendável conduzir uma análise do nível de albumina sanguínea
antes de iniciar o tratamento antiepiléptico com valproato.O valproatro pode
ser deslocado de sua união a proteínas, por substâncias competidoras dos mesmos
sítios, o que acontece com ácidos graxos, bilirrubina, ácido úrico e alguns
medicamentos como o ácido acetilsalicílico, clofribrato e fenilbutazona. O
valproato também compete com outros medicamentos pela ligação a proteínas,
principalmente anticonvulsivantes como a difenil-hidantoína. Biotransformação:
a biotransformação realizada, como na maioria dos fármacos, no hepatócito, após
reabsorção no nível do túbulo renal. A seguir sucedem-se duas fases: a primeira
é a oxidação, pela qual sua estrutura se torna mais polar e hidrossolúvel;
posteriormente ocorre a segunda fase, que consiste em glicuronidação. A
oxidação acontece nas mitocôndrias. Quando a dose é baixa (5 mg/kg por dia),
realiza-se a -oxidação; a -oxidação é uma via alternativa de menor
importância. Conhecem-se vários (dezessete) metabólitos do ácido valproico que
foram identificados por cromatografia gás-líquido e por espectrometria de
massa.Os principais são o valproato de glicurônido, o ácido
2-propil-2-pentanóico, ácido 2-propil-hidroxipentanóico, o ácido
2-propil-4-pentanóico, e o ácido 2-propil-3-ceto-pentanóico, que têm atividade
equivalente a cerca de 15% da do ácido valproico. A glicuronidação é a
principal via metabólica do valproato e é realizada no retículo endoplasmático.
Uma vez conjugado, o fármaco é eliminado rapidamente pela urina. Cerca de 70%
da dose administrada é eliminada por esta via e em pequenas quantidades pelas
fezes e pelo ar expirado.
Indicações.
Epilepsia (crises de ausência, pequeno
mal). Como adjuvante no tratamento das crises mistas de epilepsia.
Posologia.
A dose usual para adultos é de 5 mg a
15 mg/kg por dia por via oral. A dose pode ser aumentada em 5 mg até 10 mg/kg
por dia, segundo a tolerabilidade, até o máximo de 60 mg/kg por dia. A dose
pediátrica usual (para crianças de 1 a 12 anos) é de 15 a 45 mg/kg por dia.
Superdosagem.
A DL 50 do ácido valpróico
foi determinada em torno de 1.000 a 2.000 mg/kg. Isto sugere que seria possível
a tomada de muitos comprimidos e, mesmo assim, a DL 50 não chegaria
a ser alcançada. Quando, por qualquer razão, a ingestão do valproato é
excedida, bem acima da dose prescrita, podem apresentar-se distúrbios
gastrintestinais e depressão do SNC, manifestada como tremor, fraqueza, ataxia,
perda do reflexo de extensão e sonolência. Pode ocorrer degeneração gordurosa
hepática em pacientes com alguma disfunção hepática preexistente. Quando se
administra valproato juntamente com algum outro fármaco, os sinais de
toxicidade dependerão do grau de afinidade do outro medicamento pelas
proteínas. Assim, por exemplo, relatou-se um caso de coma por superdose de
ácido valproico (36 g) tomado com fenobarbital (1 g) e fenitoína (300 mg).
Reações adversas.
Hepatotoxicidade grave ou mortal (o risco
é maior em crianças que recebem concomitantemente outros anticonvulsivantes),
alterações intestinais, cólicas, diarreia, tremores, náuseas, vômitos, rash
cutâneo, sonolência, inibição da agregação plaquetária, trombocitopenia,
hemorragias, hematomas.
Precauções.
Sua administração em crianças deve ser
cuidadosa (nesta faixa etária há maior risco de desenvolver hepatotoxicidade
grave), em presença de discrasias sanguíneas, patologias cerebrais,
insuficiência hepática e disfunção renal. Deve-se ter precaução em casos de
cirurgia, tratamento dentário ou emergência, pelo possível prolongamento do
tempo de sangramento. Não se recomenda a ingestão de álcool ou de outros
depressores do SNC. Para suspender sua administração, a dose deve ser reduzida
de modo gradual, pois a suspensão brusca pode preciptar a crise ou o estado de
mal epiléptico. Caso seja utilizado o ácido valproico para substituir ou
suplementar outra terapêutica anticonvulsiva, deve-se aumentar a dose de forma
gradual ao mesmo tempo que se vai reduzindo a outra medicação, com o objetivo
de manter controle sobre a crise. A meia-vida pode prolongar-se
consideravelmente em pacientes com disfunção hepática e em crianças com idade
inferior a 18 meses. Recomenda-se, antes e durante o tratamento, controles do
tempo de sangramento, hemograma, determinações da função hepática e
renal.Precauções ou restrições durante a gravidez e amamentação: não deverá ser
usado durante o primeiro trimestre da gravidez. Como foram relatados alguns
casos de hepatotoxicidade, sugere-se realizar hepatogramas antes do tratamento
e dois meses depois. A dose deverá ser reduzida imediatamente em presença de
disfunção hepática, pois há informes de que esta disfunção pode progredir
apesar de suspenso o medicamento.
Interações.
A hipoprotrombinemia induzida pelo
ácido valproico pode aumentar a atividade dos derivados da cumarina e
indandiona, e aumentar o risco de hemorragias em pacientes sob tratamento com
heparina ou trobolíticos. O uso simultâneo com antidepressivos tricíclicos, com
haloperidol, inibidores da monoaminoxidase e fenotiazínicos pode potencializar
a depressão do SNC e diminuir o limiar convulsivo. A administração juntamente
com medicamentos hepatotóxicos pode aumentar o risco de hepatotoxicidade. A
administração juntamente com inibidores da agregação plaquetária pode aumentar
o risco de hemorragias. Está plenamente demonstrado que o valproato de magnésio
potencializa o efeito anticonvulsivante do fenobarbital, fato pelo qual se
recomenda reduzir a dose do valproato ou do fenobarbital até alcançar o
controle adequado de uma crise. Ainda que haja potencialização de seu efeito
antiepiléptico, não houve aumento do efeito hipnótico do fenobarbital.Quando se
administra juntamente com difenil-hidantoína, podem ocorrer crises convulsivas
imprevistas ou propiciar toxicidade por esta última, em vista da interferência
do valproato sobre sua ligação a proteínas; os níveis séricos deste fármaco são
diminuídos pois a afinidade do valproato pelas proteínas é maior do que a da
difenil-hidantoína, a qual é deslocada. Não obstante, isto traz consigo um
aumento da fração livre de difenil-hidantoína e aumento em sua depuração
hepática; por esta razão, podem apresentar-se efeitos tóxicos que são devidos
não ao valproato, mas sim à difenil-hidantoína. Se são administrados
conjuntamente durante a gravidez pode aumentar a incidência de má-formações
congênitas descritas como síndrome feto-hidantoína: fendas palatinas,
lábio-leporino, má-formações cardíacas, hipoplasia digital e displasia de
unhas. O valproato inibe o metabolismo da etossuximida, produzindo um aumento
de até 53% do nível sérico desta última.Se se combina valproato com
carbamazepina, foram observadas sedação, diplopia e sonolência, efeitos
transitórios que são eliminados, reduzindo ou removendo a carbamazepina de sua
ligação às proteínas, por parte do valproato. O mesmo ocorre quando se emprega
valproato juntamente com outros medicamentos que possuam grande afinidade pelas
proteínas, como os anticoagulantes. Também outros medicamentos podem exercer
algum efeito sobre o valproato. O fenobarbital, a difenil-hidantoína e a
carbamezepina induzem o metabolismo do ácido valproico e podem ocasionar
menores concentrações séricas e menor meia-vida, por aumento da atividade das
enzimas microssômicas hepáticas. Por vezes, este efeito é tão expressivo que
não se chega a alcançar níveis plasmáticos ótimos de ácido valproico. O ácido
acetilsalicílico e a fenilbutazona deslocam o ácido valproico de sua ligação
com as proteínas, o que pode traduzir-se em aumento da sua depuração
plasmática. Quando se administra ácido valproico juntamente com os alimentos,
estes retardam seu tempo de absorção.A associação com outros antiepilépticos
requer ajuste da dose de cada um dos medicamentos empregados, para evitar a aparição
de efeitos indesejáveis. O uso simultâneo com barbitúricos ou primidona pode
aumentar suas concentrações séricas devido ao deslocamento das ligações com
proteínas, com consequente risco de neurotoxicidade e depressão do SNC. No caso
de ser associado com fenobarbital, a dose deste último não deve ser superior a
200 mg ao dia, pois o valproato de magnésio potencializa a ação do barbitúrico.
O ácido valproico liga-se fortemente às proteínas e, em função disto, pode
deslocar outros fármacos que possuam a mesma propriedade e este fato deve ser
levado em conta em pacientes com alterações hepáticas, hematológicas e em
diabéticos.
Contraindicações.
Hipersensibilidade ao ácido valproico
ou a outros valproatos. Insuficiência hepática severa, gravidez (pode acarretar
anomalias no tubo neural do feto).